TUDO SE REPETE.
Tenho uma amiga, destas que se conhece desde sempre. Nossas mães já eram amigas, antes mesmo de nascermos. Minha amiga se chama Lucia, assim vou chamá-la. Lucia é branca, olhos castanhos, cabelos lisos, sempre se destacou entre nós, no morro, pelo tipo físico, além dela, havia na casa dela mais cinco irmãos, todos criados com muitas dificuldades, sendo cada um de pai, a mãe dela sempre lutou muito para alimentá-los, mas Lucia sempre quis ser diferente, é daquelas pessoas que quer a todo custo inventar a roda, vai explicar que a roda já existe... Bom, com dizia, Lucia sempre quis ser diferente, nunca se aceitou como tal, pobre favelada, sem estudos, sem instrução, é que ela tinha um "diferencial" corria-se a boca pequena, que Lucia era filha de um ex-patrão da mãe dela, com isso na cabeça Lucia cresceu, se achando e se comportando como se fosse melhor do que todos nós, mas pra dizer a verdade, ela bem que tinha pinta de gente rica, cara de gente rica, e a pose de gente rica, mas dai a ser rica, vai uma longa distancia! Então crescemos, na adolescência cada uma de nós, foi procurar o que fazer da vida, uma ou outra voltou a estudar, uma ou outra engravidou, eu fui uma das que engravidaram, a maioria foi mesmo é trabalhar, em várias coisas, lanchonetes, casa de família, lojas, e afins, com pouco estudo e sem incentivos, procuramos nos virar da melhor maneira possível, mas para minha amiga Lucia nada dava certo, era sempre a mesma coisa... Ai meu DEUS, nada pra mim dá certo, não consigo um trabalho, quando consigo, não fico, não sei o que tem de errado comigo. Foi assim durante todos os anos 80, nada, absolutamente para Lucia dava certo. A cada vez em nos encontrávamos lá vinha um poço de lamentações. Meu chefe me cantou, você acredita? Menina olha que babado, o gerente da loja onde eu estava deu em cima de cima de mim, fulano quis me comer, ou, então... Mas nossa, ter que acordar cedo é demais pra mim, acho que não nasci pra isso, esse lance de trabalhar, isso não é pra mim. E por ai a fora. Quando o namorado de infância botou uma casa e a chamou para que fossem viver juntos, juro por DEUS que dei graças á DEUS, por ela, quanto engano! É, não deu certo, Lucia não sabia cozinhar, lavar uma roupa? Nem em sonho, cuidar da casa? Também era difícil pra minha amiga. Com um filho pequeno e outro a caminho, quem disse que minha amiga dava jeito ou se acertava com alguma coisa?O marido dela é quem ao chegar do trabalho fazia a comida, arrumava a casa, e dava banho no bebê, o que Lucia fazia durante o dia? Corria o morro, de porta em porta, batendo papo, ou então dormia o dia inteiro, no fim do dia, se levantava, tomava um banho, preparava um miojo, então linda, e perfumada, punha-se a caminho da rua, assim passava-se o tempo, nasceu-lhe a segunda criança, pensa que ela mudou? Não! Se não fosse a sogra a ir em casa e preparar o mingau da criança, esta teria morrido de inanição. As roupas apodreciam no tanque, num canto do banheiro, a cozinha da casa, tão bem feita, era um lixo permanente, comidas na geladeira eram lixo, um caso de saúde publica. Algo que para mim era um verdadeiro crime, já que ela passou a infância inteira comendo coisas da xepa.O Infeliz do marido já não suportando mais viver daquela forma, pediu a separação, no que foi prontamente atendido, segundo minha amiga... Esse lance de casamento não pra mim não dá! --- O agora ex-marido teve o cuidado de ficar com o filho mais novo, pensando ele estar facilitando a vida da agora ex-mulher, ledo engano. Minha amiga retomou a antiga rotina, o filho passa a ficar jogado, aos cuidados da avó materna, que doente e sem recursos, e cheia de filhos, faz e tenta fazer o que pode para manter a todos, é claro que não consegue. A violência explode no morro, eu mudo, minhas outras amigas também mudam, algumas se casam, outra não, sou das que não se casaram, outras tiveram mais filhos, outras não, eu fui das que não tiveram mais filhos, minha amiga, Lucia passou o resto dos anos 80, parindo, entrou os anos 90 assim, ao todo teve sete filhos, somente uma teve uma chance, não sei porque minha amiga, num gesto de desprendimento, entregou a criança ao pai, assim que esta nasceu, foi melhor a ser feito. Praticamente dei a volta ao mundo, minha mãe enlouqueceu, meu pai morreu, meus irmãos, cresceram, troquei de trabalho, namorei, deixei, fui deixada, amei, fui amada, não amei, não fui amada, troquei de cidade, socorri familiares, fui socorrida, mandei construí uma casa, criei um filho, transformei-o em homem, troquei de trabalho, casei-me enfim, meu irmão morreu, tive uma filha, mudei de trabalho novamente, engordei, emagreci, engordei de novo. Retornei ao morro e... Minha amiga continua exatamente com as mesmas ladainhas. Não consigo trabalho, morei com um cara, mas não deu, homem gosta de nos fazer de empregada, lavar cuecas? Nem pensar! Acho que não tenho sorte na vida... Ufa! Esgotou minha mente. O pior foi eu achando que não tinha feito nada da vida, aquela conversa foi me deixando louca, percebi que o problema não estava nos outros, mas sim nela, o problema era minha amiga, que não consegue evolui, ela não vai adiante em nada, nunca conseguiu ser constante em nada, assim, vai pela vida pondo a culpa nos outros, é sempre mais fácil, mais comodo, pra se ter uma ideia, ela não gostava da casa dela, porque não procurou trabalhar? Estudar, e assim poder transformar o mundo ao seu redor? Ela também não gostava de morar com a mãe, porque não permaneceu na casa dela? Porque dá trabalho, é complicado, ter que levantar todos os dias, cuidar, limpar, sair pro trabalho, depois, ainda cansada ir pegar filho na creche, na escola, chegar em casa, preparar o jantar, arrumar a cozinha, resumindo, dá trabalho se construir, dá muito trabalho, ser constante, dá muito trabalho se cuidar e cuidar dos outros, mas gente assim, nunca vai saber que sim, tudo isso dá muito trabalho, é um porre devo dizer, mas... FAZ UM BEM, DÁ UM PRAZER, SERVIR UMA COMIDA BEM FEITA, PEGAR UMA ROUPA LIMPINHA E CHEIROSA PROS FILHOS, É MUITO BOM REENCONTRAR AMIGOS DE TRABALHO PELA MANHÃ, FALAR MAL DO PATRÃO, RECLAMAR DO GOVERNO, ISSO ESSAS PESSOAS NUNCA VÃO SABER COMO É, JÁ QUE TUDO O QUE FAZEM E QUEREM É ENCONTRAR TUDO PRONTO. Agora, estou me preparando para voltar ao morro do Vidigal e, tenho certeza de que vou ouvir as mesmas reclamações.
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